O término da guerra civil que se seguiu à independência de Moçambique gerou grande esperança entre os cidadãos. No entanto, quase três décadas depois, o país, apesar de sua riqueza em recursos naturais, continua enfrentando desafios, passando de uma crise para outra sem alcançar um progresso substancial.
Atualmente, Moçambique enfrenta uma insurgência que se prolonga por quase oito anos, trazendo instabilidade tanto para sua população quanto para investidores estrangeiros. Esses investidores, atraídos pelas vastas reservas de gás descobertas no norte do país, veem a região como uma grande oportunidade de lucro, mas lidam com um cenário de insegurança.
A violência na província de Cabo Delgado, protagonizada pelo grupo armado Ansar al-Sunna, associado ao extremismo islâmico, está frequentemente ligada ao sentimento de marginalização dos moradores da região. Há anos, comunidades locais denunciam o abandono e a falta de investimentos por parte das elites políticas sediadas na capital, Maputo.
Embora Cabo Delgado seja uma província onde diferentes religiões coexistem, a predominância do Islã alimenta a percepção de que a insurgência tem motivações jihadistas. Apesar das imensas riquezas minerais ainda inexploradas em Moçambique, a pobreza continua alta em diversas regiões do país. Enquanto grandes empresas disputam espaço em projetos bilionários do setor extrativo, os moradores locais seguem sem se beneficiar desses investimentos, vendo apenas promessas distantes de desenvolvimento.
A Insurgência da Juventude
Há oito anos, jovens da província de Cabo Delgado, no nordeste de Moçambique, iniciaram uma revolta contra o governo. Apesar da riqueza em recursos naturais, como rubis e ouro, a prosperidade gerada por essas atividades ficou concentrada na capital, Maputo, situada a 2.400 quilômetros de distância, enquanto a região permaneceu em condições precárias de desenvolvimento. Além disso, os campos de gás ainda inexplorados atraíram investimentos bilionários de empresas como ExxonMobil e Total, mas a população local pouco se beneficiou dessas iniciativas.
Diante da falta de oportunidades e do descaso governamental, jovens da região alimentaram uma insurgência que permaneceu à margem da atenção internacional por cerca de quatro anos. Em 2019, o movimento rebelde declarou aliança ao Estado Islâmico, tornando-se o primeiro conflito de matriz jihadista no sul da África e gerando preocupações globais.
No mesmo ano, o governo moçambicano recorreu ao Wagner Group, um grupo de mercenários russos atualmente denominado Africa Corps, para tentar conter a insurgência. No entanto, após apenas dois meses e enfrentando baixas significativas, o grupo se retirou. Especialistas apontam que a operação falhou, em grande parte, devido à falta de coordenação com as forças moçambicanas.
A relação entre os insurgentes e grupos externos permanece incerta, mas em março de 2020, combatentes realizaram um ataque devastador à cidade portuária de Palma, próxima às operações de gás, resultando em dezenas de mortes. No mês seguinte, os militantes já controlavam uma parte considerável do território em quatro das cinco províncias do país. Apesar da abundância de recursos naturais, essa província do sul da África continua entre as mais pobres de Moçambique, onde a maioria da população sobrevive da agricultura de subsistência e da pesca.
Historicamente, a região foi alvo do tráfico de escravos e, posteriormente, durante os 500 anos de colonização portuguesa, a população majoritariamente muçulmana foi forçada a trabalhar na produção de algodão e outras culturas comerciais.
Moçambique esperava tropas russas, não a Wagner
O governo do presidente Filipe Nyusi negou que houvesse militares russos no país, afirmando que a cooperação com Moscou se limitava ao fornecimento de equipamentos militares. No entanto, os detalhes do acordo que levou à presença de forças russas em Moçambique nunca foram divulgados, incluindo o custo da operação e sua fonte de financiamento.
Em novembro de 2019, apenas dois meses após sua chegada, o Grupo Wagner deixou Cabo Delgado, supostamente devido a conflitos com o exército moçambicano. Relatos indicam que os mercenários russos defendiam ataques aéreos contra as bases insurgentes identificadas, enquanto as forças locais se opunham a essa estratégia. O desentendimento pode ter contribuído para a perda de vários soldados russos.
A situação revelou que o governo moçambicano esperava o envio de tropas regulares da Rússia, e não de um grupo militar privado. Após a saída dos russos e diante da crescente pressão interna para buscar apoio externo, o presidente Nyusi finalmente aceitou assistência internacional. Durante meses, ofertas de ajuda foram feitas por outras nações africanas, especialmente pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), além da União Europeia e dos Estados Unidos.
No entanto, o governo moçambicano demorou a aceitar a intervenção porque Nyusi insistia que o país precisava de treinamento, armamento e financiamento, mas não da presença de tropas estrangeiras em seu território.
Fonte: Evidência
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